Segundo consta dos autos, o recorrente foi denunciado pela
prática do crime de lesão corporal qualificada pelo resultado morte (art. 129, §
3º, do CP), porque, durante um baile de carnaval, sob efeito de álcool e por
motivo de ciúmes de sua namorada, agrediu a vítima com chutes e joelhadas na
região abdominal, ocasionando sua queda contra o meio-fio da calçada, onde bateu
a cabeça, vindo à óbito. Ocorre que, segundo o laudo pericial, a causa da morte
foi hemorragia encefálica decorrente da ruptura de um aneurisma cerebral
congênito, situação clínica desconhecida pela vítima e seus familiares. O juízo
singular reconheceu que houve crime de lesão corporal simples, visto que restou
dúvida sobre a existência do nexo de causalidade entre a lesão corporal e o
falecimento da vítima. O tribunal a quo, por sua vez, entendeu ter
ocorrido lesão corporal seguida de morte (art. 129, § 3º, c/c o art. 61, II,
a e c, do CP), sob o argumento de que a
agressão perpetrada pelo recorrente contra a vítima deu causa ao óbito. Assim, a
questão diz respeito a aferir a existência de nexo de causalidade entre a
conduta do recorrente e o resultado morte (art. 13 do CP). Nesse contexto, a
Turma, prosseguindo o julgamento, por maioria, deu provimento ao agravo
regimental e ao recurso especial, determinando o restabelecimento da sentença.
Conforme observou a Min. Maria Thereza de Assis Moura em seu voto-vista, está-se
a tratar dos crimes preterdolosos, nos quais, como cediço, há dolo no
comportamento do agente, que vem a ser notabilizado por resultado punível a
título de culpa. Ademais, salientou que, nesse tipo penal, a conduta precedente
que constitui o delito-base e o resultado mais grave devem estar em uma relação
de causalidade, de modo que o resultado mais grave decorra sempre da ação
precedente, e não de outras circunstâncias. Entretanto, asseverou que o
tratamento da causalidade, estabelecido no art. 13 do CP, deve ser emoldurado
pelas disposições do art. 18 do mesmo codex, a determinar que a
responsabilidade somente se cristalize quando o resultado puder ser atribuível
ao menos culposamente. Ressaltou que, embora alguém que desfira golpes contra
uma vítima bêbada que venha a cair e bater a cabeça no meio-fio pudesse ter a
previsibilidade objetiva do advento da morte, na hipótese, o próprio laudo
afasta a vinculação da causa mortis do choque craniano, porquanto não
aponta haver liame entre o choque da cabeça contra o meio-fio e o evento letal.
In casu, a causa da morte foi hemorragia encefálica decorrente da
ruptura de um aneurisma cerebral congênito, situação clínica de que sequer a
vítima tinha conhecimento. Ademais, não houve golpes perpetrados pelo recorrente
na região do crânio da vítima. Portanto, não se mostra razoável reconhecer como
típico o resultado morte, imantando-o de caráter culposo. Dessa forma,
restabeleceu-se a sentença de primeiro grau que desvinculou o resultado do
comportamento do agente, que não tinha ciência da particular, e determinante,
condição fisiológica da vítima. AgRg no REsp 1.094.758-RS, Rel. originário Min. Sebastião Reis Júnior,
Rel. para acórdão Min. Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ-RS),
julgado em 1º/3/2012.
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