O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) julgou procedentes as Ações
Diretas de Inconstitucionalidades (ADIs) 3892 e 4270 para declarar a
inconstitucionalidade de normas do Estado de Santa Catarina que dispõem sobre a
defensoria dativa e a assistência judiciária gratuita. Atualmente, o estado não
possui defensoria pública e a população hipossuficiente recebe prestação
jurídica gratuita por meio de advogados dativos indicados pela seccional
catarinense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SC).
A Corte decidiu que essa situação no estado deve durar por mais um ano,
quando os dispositivos contestados [artigo 104 da Constituição de Santa Catarina
e Lei Complementar Estadual 155/97] perderão eficácia no ordenamento jurídico. A
votação ocorreu por maioria de votos, com exceção do ministro Marco Aurélio que
entendeu que a declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos deveria
valer desde quando foram editados.
Inconstitucionalidade
O ministro Joaquim Barbosa, relator, afirmou que os argumentos levantados em
defesa das disposições questionadas não são convincentes. Para ele, é clara a
inconstitucionalidade dos dispositivos questionados nas ações diretas.
De acordo com ele, o fato de a lei complementar contestada resultar de
iniciativa parlamentar, já seria razão suficiente para declarar a sua
inconstitucionalidade formal. “Isso porque, com fundamento no princípio da
simetria, esta Corte tem estendido a regra constante do artigo 61, inciso II,
alínea “d”, da Constituição Federal, às outras unidades da federação, do que
resulta que a iniciativa para legislar sobre a organização da defensoria pública
em âmbito estadual jamais pode ser atribuída aos parlamentares estaduais”,
disse.
Segundo o ministro Joaquim Barbosa, as possíveis dúvidas a respeito da
questão foram esclarecidas pela Lei Complementar 80/94, que contém normas gerais
obrigatórias para a organização da defensoria pública pelos estados. Ele
observou que o modelo catarinense não se utiliza da parceria com a OAB como
forma de suplementar a defensoria pública ou de suprir eventuais carências
desta. “Pelo contrário, a seccional da OAB naquele estado supostamente cumpre o
papel que seria da defensoria. Não há outra defensoria em Santa Catariana, há
apenas os advogados dativos indicados pela OAB”, observou.
Prioridade à advocacia privada
O ministro Joaquim Barbosa fez um paralelo entre a exclusividade do defensor
público ao atendimento do hipossuficiente e a prioridade que o advogado dativo
pode dar às demandas privadas. “Não se pode ignorar que enquanto o defensor
público, integrante de carreira específica, dedica-se exclusivamente ao
atendimento da população que necessita dos serviços de assistência, o advogado
privado – convertido em defensor dativo – certamente prioriza os seus clientes
que podem oferecer uma remuneração maior do que aquela que é repassada pelo
estado, a qual observa a tabela de remuneração básica dos serviços de
advogados”, ressaltou.
Essas observações, conforme o relator, sugerem que a criação de um serviço de
assistência judiciária não pode ser vista apenas sob o ângulo estatístico “e
muito menos da perspectiva da mera economia de recursos”.
“Veja-se, a título de exemplo, o fato de que a defensoria dativa organizada
pelo Estado de Santa Catarina com o apoio da OAB local não está preparada e
tampouco possui competência para atuar, por exemplo, na defesa dos interesses
coletivos, difusos ou individuais homogêneos dos hipossuficientes residentes
naquele estado, atribuição que se encontra plenamente reconhecida à defensoria
pública”, disse o ministro.
Presos sem defensores
O ministro salientou que o fato de os presos do estado não contarem com
defensores públicos faz com que essa realidade tenha impacto direto sobre a
regularidade da execução penal, “gerando como consequência o indesejável fato do
encarceramento ilegal ou por tempo que excede o regular cumprimento da pena”.
Para ele, essa situação em Santa Catarina é “um severo ataque à dignidade do ser
humano”.
Assim, o relator votou pela procedência das ações diretas a fim de declarar a
inconstitucionalidade de todos os dispositivos questionados. A Corte decidiu que
tal situação deve vigorar por até um ano.
Decano
O ministro Celso de Mello, decano da Corte, acompanhou o relator e manifestou
sua indignação com a “omissão contumaz” do Estado de Santa Catarina, que, 23
anos depois da promulgação da Constituição da República, se manteve inerte
quanto à implantação da Defensoria Pública no estado, violando, “de modo
patente”, o direito das pessoas desassistidas, “verdadeiros marginais” do
sistema jurídico nacional. “É preciso dizer claramente: o Estado de Santa
Catarina tem sido infiel ao mandamento constitucional dos artigos 134 e 5º,
inciso 74, e essa infidelidade tem de ser suprimida por essa Corte”,
afirmou.
Para o decano do STF, não se trata de uma questão interna do Estado de Santa
Catarina. “É uma questão nacional que interessa a todos, a não ser que não se
queira construir a igualdade e edificar uma sociedade justa, fraterna e
solidária”, destacou. O ministro Celso de Mello ressaltou ainda a relevância das
defensorias públicas como instituições permanentes da República e organismos
essenciais à função jurisdicional do estado, e o papel “de grande
responsabilidade” do defensor público “como agente incumbido de viabilizar o
acesso dos necessitados à ordem jurídica justa”. Fonte: www.stf.jus.br - notícias.
Processos
relacionados ADI 4270 ADI 3892 |
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