sábado, 28 de abril de 2012

A esquina estava lotada... (por Tarcísio Regueira)

"A esquina estava lotada. Era véspera de Natal. Uma mulher maltrapilha pedia com a mão estendida, seu nome era Maria.
Junto um homem dormia alheio ao barulho impiedoso do mundo. Seu nome era José.
Ouve-se um grito: Ladrão! Uma criança corre com um relógio na mão. De repente, um freio, um menino morto, seu nome era Jesus.
A mulher olhava para aquela triste manjedoura. Não havia vacas, só ratos. Não havia estrelas, só a luz giratória da polícia. Não havia reis, só homens com pressa, alheios a tudo...
Era Natal!..."

STF. Execução Penal. Remição e sanção disciplinar. Retroatividade da Lei Penal.


HABEAS CORPUS. REMIÇÃO DA PENA PELO TRABALHO. RETROATIVIDADE DA LEI 12.433/2011. ORDEM CONCEDIDA.
1. O instituto da remição é de nítido caráter penal. Instituto que, para maior respeito à finalidade reeducativa da pena, constitui superlativo incentivo à aceitação daquilo que, discursivamente, nossa Lei de Execução Penal chama de “programa individualizador da pena privativa de liberdade” (art. 6º da Lei 7.210/1984). A remição premia o apenado que se revela capaz de disciplina e, nessa vertente, valoriza o trabalho. Trabalho que a Constituição Federal promoveu às categorias de princípio fundamental da República Federativa do Brasil (inciso IV do art. 1º) e de pilar da ordem social brasileira (art. 193). Sendo certo que a ulterior redação do art. 127 da Lei de Execução Penal desvalorizava aquilo que a Constituição qualifica sobremaneira.
2. A resposta estatal à indisciplina carcerária é de incorporar um juízo de graduação da falta, mesmo grave, para, se for o caso, proporcionalizar as consequências dela advindas. Isso em homenagem à garantia da individualização da pena, já na fase intra-muros penitenciários.
3. O comando que se lê no inciso XL do art. 5º da Constituição Federal faz da retroação da norma penal mais benéfica um direito que assiste a todo réu ou pessoa já penalmente condenada. Com o que a retroatividade benigna opera de pronto, por mérito da Constituição mesma. Constituição que se põe, então, como o único fundamento de validade da retroação penal da norma de maior teor benfazejo. É como dizer: se a benignidade está na regra penal, a retroação eficacial está na Constituição mesma.
4. Ordem parcialmente concedida. (Habeas Corpus n. 109.116/RJ, 2ª Turma, rel. Min. Ayres Britto, j. 06/12/2011, v.u.).

OAB contesta regra que posiciona membro do MP ao lado do juiz


O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4768) no Supremo Tribunal Federal (STF) contra dispositivos do estatuto do Ministério Público da União e da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público que garantem a membros do órgão a prerrogativa de se sentarem do lado direito de juízes durante julgamentos.
Segundo a OAB, os dispositivos legais “estabelecem ampla e irrestrita prerrogativa ao Ministério Público de sentar-se lado a lado com o magistrado em detrimento do advogado” quando representantes do órgão atuam como parte no processo. “Respeitosamente, não se trata, puramente, de discussão secundária e pequena, vez que a posição de desigualdade dos assentos é mais do que simbólica e pode sim influir no andamento do processo”, afirma a autora.
A entidade ressalva, entretanto, que não ocorre nenhuma inconstitucionalidade quando o membro do MP, na condição de fiscal da lei, o chamado custos legis, se senta ao lado do juiz. No entanto, argumenta a OAB, quando atua como parte acusadora, o fato de o representante do MP sentar-se estar ao lado do juiz representaria uma “disparidade de tratamento entre acusação e defesa”.
A Ordem dos Advogados alega que a situação “agride o princípio da igualdade de todos perante a lei” e, em consequência, viola a “isonomia processual”. E concluiu: “(A regra institui uma) arquitetura/modelo que gera constrangimento funcional, pois ela dissimula a real posição que devem ostentar as partes em um processo conduzido pelos princípios e regras do Estado democrático de direito”.
“Ou seja, perante a testemunha, o perito, o acusado e qualquer outro participante da relação processual, o mobiliário compõe a imagem de duas autoridades de igual hierarquia”, concluiu a OAB, que pede a concessão de liminar para que os dispositivos legais fiquem suspensos até o julgamento final da ADI.
No mérito, a entidade pede para o STF dar interpretação conforme a Constituição à alínea ´a` do inciso I do artigo 18 do Estatuto do MPU (Lei Complementar 75/93) e ao inciso XI do artigo 40 da Lei Orgânica do MP (Lei 8.625/93), para que a prerrogativa prevista nos dispositivos seja aplicada somente quando o MP oficia como fiscal da lei.

Ver: ADI n. 4768/DF, relª. Minª Cármen Lúcia. Partes: Conselho Federal da OAB x Câmara dos Deputados/Senado Federal/Presidente da República.

quarta-feira, 25 de abril de 2012

STJ. Direito Processual Penal. Competência Territorial e em Razão da Matéria. Crime contra a honra e internet.


A Seção entendeu que compete à Justiça estadual processar e julgar os crimes de injúria praticados por meio da rede mundial de computadores, ainda que em páginas eletrônicas internacionais, tais como as redes sociais Orkut e Twitter. Asseverou-se que o simples fato de o suposto delito ter sido cometido pela internet não atrai, por si só, a competência da Justiça Federal. Destacou-se que a conduta delituosa – mensagens de caráter ofensivo publicadas pela ex-namorada da vítima nas mencionadas redes sociais – não se subsume em nenhuma das hipóteses elencadas no art. 109, IV e V, da CF. O delito de injúria não está previsto em tratado ou convenção internacional em que o Brasil se comprometeu a combater, por exemplo, os crimes de racismo, xenofobia, publicação de pornografia infantil, entre outros. Ademais, as mensagens veiculadas na internet não ofenderam bens, interesses ou serviços da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas. Dessa forma, declarou-se competente para conhecer e julgar o feito o juízo de Direito do Juizado Especial Civil e Criminal. CC 121.431-SE, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 11/4/2012.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Entrevista: Prof. Dr. Jacinto Nelson de Miranda Coutinho (UFPR)


1) Por que a Legislação brasileira é tão ineficaz? 

Desculpe-me, mas acho que há um equívoco na pergunta: a legislação brasileira, em matéria penal (vista no sentido lato, ou seja, abrangendo todas as disciplinas da área criminal) não é ineficaz, muito menos "tão ineficaz". Para tanto perceber basta apenas pensar no seguinte: o que significa ser ela "ineficaz"? Seria isso a falta de condenação? Mas as cadeias e penitenciárias estão lotadas, melhor, superlotadas, a ponto de se falar em "depósitos humanos", ou seja, em lugares que cabem 10 presos, por exemplo, tem-se 68, como se viu dias passados em reportagens dos jornais. Seria, então, por que temos poucas leis? Não pode ser.
Afinal, temos algo em torno de 310 leis tratando de matéria penal e ninguém, em verdade, sabe tudo o que está tipificado como crime, ou melhor, são tantas as leis que, em alguns casos já se deveria estar pensando em escusar certas condutas por ignorância da lei. Então é por que ela já não funciona mais – ou tanto – como referência às condutas dos cidadãos? Aí a questão muda de rumo, não propriamente por conta das leis penais mas em função do que se espera, do que se quer delas.
Enfim, sabemos há muito que as leis penais não se prestam para corrigir – ou reformar – a sociedade (isto é matéria pacífica e só não sabe quem não quer ou é mal-intencionado), porque se não presta a servir de fundamento moral. O Direito, aqui, é sancionador, punitivo; e pronto. Tanto que, teoricamente, cumprida a pena, o cidadão volta – ou deveria voltar – à sociedade de "alma lavada" porque, enfim, como dizem eles: "paguei pelo meu crime". A moral, então, fica fora, o que não significa não ter importância. Ela está, porém, não no Direito Penal, mas nos valores e eles na cabeça, principalmente, dos moralistas, não raro falsos e por um motivo banal: têm como corretos os seus próprios valores e, com certeza, nem sempre são os mais apropriados. Para essa gente – até certo ponto ingênua, para dizer o menos –, o Direito Penal deve forjar, como ponta-de-lança da sociedade, um medo irrestrito. O problema é que isso não ocorre porque a base dos laços sociais sólidos e democráticos, como sabe qualquer pensador mediano e mormente aqueles que estudaram a Semiótica mais a fundo como Iúri Lotman, por exemplo, não está no medo, mas na vergonha.
Assim, se se partir de Lévi-Strauss vai-se perceber que a cultura, como sistema de limitações complementares impostas ao comportamento natural do homem só produzirá efeitos de ordem psicológica, no sentido de se sustentar os referidos laços sociais sólidos e democráticos, se fundada na vergonha. É ela que nos faz voltar à vida pois “nos convida a resgatar nossa dignidade com novas ações e a voltar para o mundo de cara lavada” (como sustentou Contardo Calligaris em artigo na Folha de São Paulo) após – para usar uma expressão bem conhecida – a penitência pelo erro cometido; além de ajudar a cada um, por tal caminho, encontrar um seu "lugar", o que se pode ver nas relações básicas: pais e filhos, por exemplo.
Não há de se afastar, porém, uma cultura forjada pelo medo, como demonstrou a história, mas ela conduz a uma sociedade de bárbaros, uma sociedade onde a regra é a barbárie e, como conseqüência, tende a se esfacelar. A União Soviética foi um bom exemplo disso; mas aqui cabem todas as formas de tirania, inclusive a que estão a pregar alguns por este país afora. Pobre de nós, tão ricos de natureza e tão pobres de idéias e sensibilidade para perceber a diferença, o outro como tal, ou seja, aquilo que funda a ética, uma ética da alteridade como quer Dussel.
Enfim, não temos leis penais ineficazes; temos – isso sim – muita gente palpiteira, dona da verdade, que por ignorância pensa sempre em soluções fáceis. Se não tomarmos cuidado e usarmos a razão democrática para contestá-los, acabam por nos levar ao cadafalso, à guerra civil ou a um golpe de estado encabeçado por qualquer tiranete carismático como Napoleão ou Idi Amin Dada Oumee. O problema é que, em tais situações, o que se vai é a própria razão. Como disse Lao Tsé, o problema da guerra é que ninguém ganha e depois que se dá o primeiro tiro ninguém sabe por que está atirando. Assim, com a Constituição nas mãos precisamos resistir, porque ainda temos responsabilidade com o futuro.

2) A solução é "apertar o laço" das penas ou apenas fazer com que sejam efetivas?

Se "apertar o laço das penas" significa aumentá-las, trata-se de um equívoco brutal. Pensar isso é não olhar para a história, inclusive a nossa e recente. Basta ver que a Lei dos Crimes Hediondos é de 1990 e, hoje, 2007, estamos falando, ainda, do problema do aumento da criminalidade, embora não se tenha qualquer estatística confiável. Fosse eficaz – ou eficiente como querem os neoliberais – "apertar o laço das penas" já teríamos tido os resultados que imaginaram; ou imaginavam os ingênuos (será?) que vendiam a doce ilusão, então, em troca de votos. Dessa gente, alguns são até bem-intencionados (e deles é que Agostinho Ramalho indaga: "quem nos salva da bondade dos bons?"), mas boa parte são crápulas porque ganham com o caos, com a desgraça alheia, com a miséria do nosso povo, sempre meio entorpecido por golpes de retórica fácil que se não consegue desbaratar. Assim, se deste modo não vai, poderia ir com a efetivação das leis penais? Em certo sentido sim e em certo sentido não.
Por evidente que as leis devem ser efetivadas, a começar pela Constituição que já vai para os 19 anos e não consegue sair do papel em muitos e muitos pontos. Por isto, uma boa maneira de efetivar as leis penais seria seguir à risca a Constituição que, em verdade, não se faz, por vários motivos. Isto é uma parte das razões do sim. Quanto ao não, a resposta já foi referida, pelo menos em parte. Ora, o princípio da legalidade, visto de forma mais ampla (abrangente da reserva de lei, tipicidade e taxatividade, como deve ser, perante a Constituição), não se compadece com um número tão elevado de leis penais, algumas com tipos absurdos. Por outro lado, muitas condutas, hoje, merecem tipificação, o que é sintoma de estarem as tais leis desatualizadas. Urge, então, que se convoque gente séria e capaz de consolidar o que aí está e produzir, sem vedetismo e moralismo (que aqui não cabe), leis penais adequadas para o nosso tempo, tudo com muita discussão, com a mais ampla discussão possível.

3) O que pode ser feito para agilizar os trâmites dos processos?

A solução mais importante, quando o assunto é processo penal, é compatibilizar o Código de Processo Penal - e as leis extravagantes - com a Constituição da República. Não entendo, ou melhor, entendo mas não aceito por que se resiste tanto a isso. Se é assim, precisamos de um novo CPP com tal cara, ou seja, compatível com o sistema acusatório, como pede a Constituição, por sinal em total defasagem com o CPP atual, de 1941 (cópia malfeita do Codice Rocco, de 1930, da Itália fascista), que, como sabem os menos desavisados, é totalmente vinculado ao sistema inquisitório, justo porque, por primário, atribui a gestão da prova, sobretudo, ao juiz.
Por outro lado, um novo CPP não pode vir por reformas parciais (como as que se vem pretendendo fazer, mais ou menos como aquelas que estão demolindo o Código de Processo Civil, para desespero geral), justo por não permitirem uma sistematicidade ou, pelo menos, a compreensão dela. A reforma, deste modo, deve ser global, total, feita por gente que entende verdadeiramente do sistema processual e, mais, que se disponha a discutir com o país inteiro para, aí sim, ter-se o melhor para as nossas condições. A estrutura acusatória, enfim, por força do princípio reitor do sistema – dispositivo – tem bases que apontam na direção de uma maior velocidade, tudo sem se perder o lastro democrático do processo. O que se não faz, porém, neste campo, é milagre. É preciso entender, assim, ser a Constituição incompatível com a supressão – por razões óbvias e que é despiciendo discutir – de direitos fundamentais, dentre os quais a de um devido processo legal. Sabendo o que é isto – e todos sabem embora alguns finjam não saber ou não querer saber – não podemos admitir fórmulas mirabolantes e, dentre elas, aquelas que imaginam julgamentos açodados, apressados.
Neste tema – quando em jogo a liberdade de alguém, que pode ser você ou qualquer um – é preciso cautela, parcimônia. A melhor decisão é aquela madura e ela, na extragrande maioria das vezes, não é fruto da pressa. Se o preço democrático a pagar para se ter decisões mais justas e corretas possíveis for se ter um pouco mais de tempo, pois que assim o seja, dado não termos remédio algum satisfatório para os erros; e que não são poucos. Como lembrou Carnelutti, o processo penal lida com o ser e não com o ter, próprio dos processos da área cível onde, em geral, o conserto pode se dar pela indenização, ou seja, algo inimaginável no campo processual penal. Por sinal, neste tema, cada um deve pensar em si – egoisticamente – e imaginar o processo penal que gostaria de ter para si. Eis uma boa base democrática. Ademais, é por demais importante, na questão da agilidade processual, ter-se operadores que saibam, que entendam do processo – e do Direito em geral – e da sua dogmática. Aqui, os principais destinatários das leis processuais são os juízes e a eles isto deve ser cobrado com mais vigor. Quando alguns juízes alternativos (ligados ao famoso e mal-entendido Movimento Alternativo) terminavam os processos em 40 dias em média, ninguém noticiava porque, quando se fosse indagar o motivo, por certo teria que se defrontar com a questão do estudo, do saber; e da opção ideológica; e aí não interessava – e não interessa - aos senhores do status quo.
Melhor exemplo, nesta passagem, é o Desembargador Amilton Bueno de Carvalho, do TJ/RS, um exemplo de magistrado. Com os processos sempre em dia e terminando-os dentro daquela média – ou um pouco menos – exercia seu poder jurisdicional, quando juiz de primeira instância (como faz até hoje, embora dentro das formalidades próprias do Tribunal), com a humildade dos sábios e a perene desconfiança das suas imaginárias razões, consciente sempre de serem elas facilmente iludidas pelas aparências. Nunca abriu mão, contudo, da Constituição. Tive o prazer, certa feita, de assistir a um interrogatório feito por ele quando titular da 2ª Vara Criminal de Porto Alegre, pelos idos de 1990 ou 1991. Ao entrar na sala de audiência, vestia roupa esporte e sentou-se ao lado do réu interrogando e lhe disse desde o “lugar” de magistrado: “Sou o juiz desta Vara e quero que tu saiba tchê que, para mim, és inocente, até prova em contrário. Como determina o Código de Processo Penal devo te dizer que tu podes ficar em silêncio e não conversar comigo sobre aquilo que está escrito na denúncia dizendo que tu fizesse mas, se isto acontecer, nada, absolutamente nada, será usado contra ti.” Assim – vis-à-vis –, disparou: “Tu queres conversar comigo?” E o interrogando, atônito, mas já se sentindo íntimo, respondeu com confiança: “Se é assim, doutor, quero.” Seguiu-se, após, um bate-papo sem qualquer truque ou “pegadinha”, mostrando o interrogando, já um senhor de certa idade, muita convicção no que falava, sendo tudo registrado ipsis litteris. Ao terminar, indagou ao órgão do Ministério Público e ao procurador do réu se tinham reperguntas a fazer, o que só veio com a reforma de 2003, pela Lei n° 10.792, como se se precisasse de uma lei infraconstitucional para fazer valer o due process of law e, mais particularmente, o contraditório, expressos na Constituição, coisa que para ele era da prática cotidiana. Findo o interrogatório, a interrogado saiu com um ar de alívio, como se tivesse, pela palavra, tirado de si um grande fardo. Por evidente, pasmo, achei o ato interessantíssimo; um exemplo a ser seguido. Mas não resisti e perguntei ao Amilton: “Como é aquele papo de ‘para mim és inocente’?” “É isto mesmo!”, respondeu-me ele. “Nunca tive dúvida mas, hoje, diante da Constituição, para mim, o réu ou os réus são, todos, inocentes, até que a acusação prove o contrário.” Tal posição ele confirmaria mais tarde em texto de rara qualidade que tem por título “Sobre la jurisdición criminal en Brasil, hoy. Carta abierta de un juez brasileño a un juez español”, inserto no livro Direito Alternativo em Movimento, onde dialoga com o caro Perfecto Andrés Ibáñez, hoje na Corte Constitucional espanhola: “La última es la hipótesis teórica básica que me anima: llego a todos los procesos convencido de la inocencia (hay um prejuicio con base en el principio de la presunción) y solo condeno cuando no fuera posible, a pesar de todos los esfuerzos interpretativos, absolver...”. (p. 29). Tive a sensação, após aquela audiência, que havia, desde o meu olhar e sentir, uma esperança; de que isso se alastrasse e a Constituição fosse, de fato, cumprida, incorporada como cultura, introjetada.
Por óbvio, nem sempre é assim ainda hoje, ou melhor, o normal é se seguir com uma postura oposta, marcada pelo imaginário, pelo engodo das palavras e imagens que povoam as cabeças, não raro cheias de prévias verdades e certezas, sem dúvida como fruto do sistema inquisitório por nós praticado. É o primado das hipóteses sobre os fatos da lógica deforme a que se referiu Franco Cordero com total razão. Reina, ainda, no Brasil e num espaço medieval, o Papa Inocêncio III e sua Bula Vergentis in senium. Pobre de nós, hereges, com freqüência condenados antes e processados depois. E pensar que o homem está pensando em chegar a Marte...

4) Como vencer a burocracia? 

Cumprindo a Constituição e com domínio irrestrito das regras processuais. Eis um primeiro momento e, talvez, o mais importante. Claro, porém, que é imprescindível se ter os meios materiais e pessoais adequados para o suporte das atividades. Em tempos de neoliberalismo, contudo, onde se quer economizar às custas das prioridades – inclusive – é difícil pensar que terão olhos para isso. Assim, parece estarmos condenados, mantido o status quo, a mudanças que não mudam nada, tal e qual aquela proposta por Tancredi, de Lampedusa, em Il gattopardo.

5) Penas alternativas poderiam ser usadas de maneira mais eficaz, desarrochando o sistema penitenciário?

Por evidente. É só pensar para que têm servido algumas prisões, de gente que não deveria estar no sistema penitenciário sendo impregnada. É preciso entender que, no Brasil, as pessoas não vão ficar para sempre na prisão e, assim, não temos o direito de colocar lá um mero ladrão (que se poderia emendar de outro modo) para de lá tirarmos um latrocida, sendo que, como se sabe, a diferença entre eles está em uma vida ceifada; e de um cidadão inocente, por óbvio. Faz-se mister, porém, juntar gente competente e séria para pensar sobre a matéria. Tenho certeza que muito de bom sairia dai, mormente se se discutisse com o país inteiro, porque as soluções nem sempre são as mesmas neste continente chamado Brasil; e que deve ser ouvido, de norte a sul.

6) A redução da maioridade penal teria mesmo algum impacto sobre os índices de violência do país?

Teria, sim. Para aumentar os índices. Está provado estatisticamente – em Dissertação da Professora Renata Ceschin Melfi, com pesquisa de campo, no Mestrado em Direito da UFPR, ora no prelo na Editora Lumen Júris, em trabalho brilhante que leva em consideração a situação de Curitiba durante longo período e, portanto, uma base confiável de coleta de dados – que tal redução é um equívoco inominável. Ela satisfaz, é certo, para muitos, o ódio que têm dos criminosos – mormente porque sempre são os outros e todos se vêm na condição de atirar a primeira pedra, como se fossem vestais, de alva pureza e imaculadas –, com um discurso que soa como sintoma. Atitude do gênero é uma sandice, uma tolice; e sempre vem pensada para o filho dos outros. Com o que se passa nos presídios e um mínimo de ética, não podemos pensar em algo do gênero.
Antes, o ECA já é muito duro, embora as pessoas não saibam – ou não queiram saber – disso. Em verdade, o que se precisa fazer é investir, com vigor, na criança e no adolescente como prioridade inarredável, de modo a não deixar que chegue ao ponto de cometer algum crime. Somos todos responsáveis por essa gente e não podemos – nem devemos – pensar que se trata de uma questão pura e simples de governo. Em tempos de governos neoliberais, como os nossos, as prioridades são outras, como se sabe, e não se pensa em executar uma política pública prioritária que dê conta de problema deste tipo. Deste modo, resta-nos pouco; e pouca esperança. O futuro a Deus pertence, como dizia minha avó, en passant, com razão.

7) E quanto à violência crescente dos jovens da classe média?

Era algo previsível, por conta do esgarçar promovido nos laços sociais básicos, aos quais já me referi. Hoje, dizem alguns especialistas, 90% da criminalidade violenta (a que mais preocupa a todos) está relacionada ao tráfico de drogas. Portanto, grande parte dos homicídios, furtos e roubos provêm da questão das drogas. Ora, isso se enfrenta com uma política pública séria, a começar pela descriminalização do crime em relação ao usuário; e não fazendo o que fizeram com a última reforma, no ano passado, pela Lei n° 11.343/06.
Aqui os neoliberais poderiam intervir, mormente porque pensam e jogam sempre com o lucro. Poderiam enfrentar o problema de frente e usar a sugestão dada por Milton Friedman em entrevista ao M 19, um jornal espanhol: o governo – com seriedade, disse o professor de Chicago, é preciso reconhecer – deve encampar o comércio e fornecer as drogas, razão pela qual teria lucro, mas garantiria a assepsia e, ao mesmo tempo, estaria a postos para ajudar os viciados a saírem do vício. Claro que tal atitude é uma asnice se não se operar na ante-sala, buscando evitar que se chegue lá. Aí o problema é mais complexo, mas algo sobra de certeza: não se trata de condutas – como em geral se pensam aquelas criminosas – da classe pobre e sim da classe média e alta, embora também alcance o dito estamento social. Neste ponto, os maiores arautos da moralidade se enfrentam com o espelho.
E agora José? Pena de morte para essa gente – gente da gente – também? Do contrário, o tal discurso era tão-só hipocrisia? Nem tanto céu, nem tanto terra. Precisamos colocar a cabeça no lugar e pensar – como têm feito no primeiro mundo – em soluções adequadas. O que se não pode fazer, todavia, é jogar a sujeira para baixo do tapete, fingindo não existir o problema. Assim sendo, é necessário indagar sobre as causas e a prática tem demonstrado ser a principal delas – embora existam tantas outras – a falta de limites, o que é indicativo de um quase eterno gozar (j’ouissens, diria Lacan) porque, de um modo geral, tudo o que querem as crianças e os adolescentes, na classe média e alta, têm, dado se lhes dar, mormente pelo fato de se ter para dar e, não raro, por ser mais cômodo; ou ambos. A dificuldade, como se sabe, é que se não há limite, não se recalca e se não se recalca, não se deseja. E sem desejo não se vai adiante, razão por que se vai em busca de um limite para fazer a engrenagem girar e a vida ter algum sentido.
É muito triste ver as pessoas dizerem: "Eu fiz tudo por meu filho e olha o que ele me fez!". Afinal, para gente assim é preciso questionar se, de fato, "fez tudo mesmo", ou seja, se lhe foi dado o devido limite. Uma vez, à mesa, durante um almoço, talvez para ser “moderninho” (era o início dos anos 70 e vivíamos o rescaldo do 68, com contra-ataques sem piedade) e imitar meus amigos (dos quais dois morreram de overdose, quiçá para mostrar a todos – usuários ou não como eu, salvo pelo Judô – que aquilo não levava a lugar algum senão aquele: passaporte para o inferno; e a imensa saudade deles), chamei minha mãe de “tu” (em bom catarinense), pela primeira, única e última vez. Meu pai, sem pensar, levantou a cabeça e em tom áspero perguntou: “Como?”
Abusado, como sói acontecer com gente com 12 para 13 anos, repeti; e levei uma carraspana inesquecível, o que me deixou com uma vergonha indescritível, diante de todos, mesmo porque minha mãe sempre tinha sido “senhora” e assim deveria ser, segundo meu pai, em razão de ser minha mãe e, sobretudo, por ocupar um lugar tal e qual me deveria fazer pensar e ter certeza de que quando precisasse dela estaria ali, presente, como sempre esteve quando estava eu quase a morrer nas infindáveis crises asmáticas. Minha mãe era uma santa; e suportou tudo de todos, mais até do que devia; e talvez até não se importasse com aquele infeliz “tu”, dado saber, também, o seu “lugar”. Meu pai era um homem culto, sério, reto, honestíssimo, e não entendia muita coisa da psique humana mas, nascido no início do século passado tinha plena ciência do porquê haveria de ser chamado de “senhor”, pelos menos pelos filhos. Ele, no seu rigor – inclusive para consigo – outorgava-nos o nosso “lugar” de filhos e, com atitudes como aquela, chamava para ele a responsabilidade e o “lugar” de pai, desde sempre reconhecido por todos nós. Eis o “lugar” da referência: ganhar o “lugar” de filho desde aquele “lugar” de pai é poder almejar ser, um dia, quem sabe, também um pai.
Em uma época de pura contestação, com as contraprestações devidas (a turma do 68, em geral, seguia hippie ou mesmo quem não fosse andava na onde e não queria se comprometer com nada, meio no estilo paz e amor e é proibido proibir, já sinalizando para problemas futuros que agora aparecem aos montões), sobrou-nos as duras respostas e, de conseqüência, um duelo contínuo matizado entre amor e ódio, justo por não mais aceitarmos que as “coisas eram porque eram” ou, como era mais freqüente: “é porque é: e basta!”. A coisa já não era mais assim; e isso herdamos do 68. Nada tem a ver, porém, com os “lugares”, a referência e o respeito por ela, incondicional na versão do meu amado pai, ao qual sempre amei, admirei e respeitei, apesar dos pesares, ou seja, das discordâncias.
Enfim, nada daquilo me tirou qualquer pedaço, nem aos meus irmãos, imagino, embora cada um saiba “a dor e a delícia de ser o que é”, como diz o poeta. Ora, algo ficou fundado ali onde cada um desempenhava o seu papel. Eis, então, por que pai é pai; mãe é mãe e filho é filho. Por favor, é preciso não se confundir e nem inverter os papéis. O preço que se pode pagar se isso acontecer é, quem sabe, ter que conviver com a droga e, portanto, algo não agradável a qualquer família, mesmo porque, dependendo do nível do vício, avança-se sobre o patrimônio, em um primeiro momento e, depois, vai-se à criminalidade patrimonial. É um desespero. Vi muito tal situação – e a estudei – quando fazia meu doutorado na Itália e sempre a tomei como muito triste, embora já naquela época eles levassem tudo muito a sério, com investimentos em pesquisas, etc. Para superar o problema, enfim, é preciso procurar gente especializada mas, realmente, o que conta é a compreensão e o amor, a começar por aquele da família.

8) Qual seria a solução para acabar com a violência? 

A violência é do homem: homo hominis lupo, como disse Plauto e Hobbes copiou. Logo, ela não acaba. Por sinal, ela é necessária para a sobrevivência humana, sendo certo estar ligada à pulsão de morte de Freud. Assim, é preciso aprender a conviver com ela e, se possível, reduzí-la ao máximo. Aqui, o primeiro passo – sempre se soube – chama-se cultura, em um certo nível, porque é ela que permite a sublimação, ou seja, desviar a força pulsional para objetivos aceitáveis e louváveis. A discussão, porém, não é pequena neste ponto.
De qualquer forma, para não ficar sem uma resposta marcada pelo senso comum seria o caso de dizer que se não pode deixar de atuar, sempre e sempre, nas prioridades das prioridades e, aí, estão educação, saúde e trabalho. Por certo, no final das contas, não será com bolsa família, INSS e um índice alarmante de desemprego – com um exército laboral de reserva – que se chegará a algo satisfatório.

domingo, 15 de abril de 2012

STJ. Direito Penal. Crime de Dispensa de Licitação. Tipo Subjetivo e Dano.

A Corte Especial, por maioria, entendeu que o crime previsto no art. 89 da Lei n. 8.666/1993 exige dolo específico e efetivo dano ao erário. No caso concreto a prefeitura fracionou a contratação de serviços referentes à festa de carnaval na cidade, de forma que em cada um dos contratos realizados fosse dispensável a licitação. O Ministério Público não demonstrou a intenção da prefeita de violar as regras de licitação, tampouco foi constatado prejuízo à Fazenda Pública, motivos pelos quais a denúncia foi julgada improcedente (Ação Penal n. 480/MG, Corte Especial, Rel. para acórdão Min. Cesar Asfor Rocha, j. 29/3/2012).

STF. Direito Penal. Retroatividade da Lei Penal. Combinação de Leis no Tempo. Cabimento.


Habeas corpus. 2. Pedido de aplicação da causa especial de diminuição de pena prevista no § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006 à pena cominada no art. 12 da Lei n. 6.368/76. Precedente do Plenário (RE 596152/SP). 4. Ordem parcialmente concedida para que Juízo das Execuções Penais analise a fixação da pena, observando a possibilidade de aplicação do redutor previsto no § 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006 à pena cominada no art. 12 da Lei 6.368/76 (Habeas Corpus n. 105.282/RS, 2ª Turma, rel. Min. GILMAR MENDES, m.v., j. 13/12/2011).

UFPR. Direito e Psicanálise...


sábado, 14 de abril de 2012

Confianzas


"Con este poema no tomaras el poder, dicen...
Con estos versos no harás la revolución, dicen...
Ni con miles de versos harás la revolución, dicen...
 Se sienta a la mesa y escribe...
"

(Juan Gelman)

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Reflexão...



"Es menester que las fuerzas populares de nuestra región tomen urgente conciencia de que el reclamo de mayor poder punitivo es un recurso del tardocolonialismo para destruir nuestros lazos comunitarios locales, nuestra solidaridad social, nuestro sentimiento de pertenencias y, en lo más inmediato, para desestabilizar a los gobiernos populares" (Eugenio Raúl Zaffaroni).

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Populismo Penal, por Alexandre Morais da Rosa


A prisão como fenômeno da modernidade perdeu sua eficácia simbólica em face da alteração do modelo de produção capitalista, especialmente com a proeminência do discuso neoliberal no campo do “expansionismo penal”, bem assim pela avaliação dos custos de sua manutenção. Prender e manter gente segregada passou a ser, a partir da lógica dos custos estatais, algo que não pode ser mais tolerado economicamente. Precisou-se articular, assim, novas modalidades de controle social, dentre elas o monitoramento eletrônico. As novas modalidades precisam ser “economicamente eficientes”, a saber, não podem gerar um custo excessivo à manutenção do Estado. Salvo os iludidos por repressão, cujo exemplo recente demonstra o verdadeiro cariz de fachada, a resposta estatal via prisão é dinheiro jogado fora! Todos livres? Não. Há possibilidade de se prender em Democracia. Não se pode é acredita, tal qual Dr. Bacamarte, que a prisão por si resolve os problemas sociais. Aliás, em vários anos julgando nunca - nunca - foi instaurada ação penal em face de traficantes. O que se vê é gente "desdentada, moradora de bairros pobres" sendo presa sob a alegação de combate ao tráfico. Mescla de ingenuidade com cinismo. Depois de presa, essa gente é abandonada em locais públicos com pouca comida, sem atendimento e cai na ajuda recíproca de quem está dentro, os quais, no fundo, domimam internamente. E há sempre alguém defendendo ressocialização. Em que mundo vivem? O dinheiro que um preso custa por ano, em programas sociais bem articulados, seria muito melhor investido. Mas não! A lógica é colocar gente feia e fedida presa, tal qual se fez recentemente na onda higienista do centro de Florianópolis. Alguém acha que o sujeito sonha ser mendigo? Foi escolha dele? Prender? Assim é que no contexto atual diante do custo exponencial da manutenção de segregados, cuja eficiência não se mostra mais ajustada aos anseios do Estado mínimo, precisa-se ousar. Aliás, igual se procedeu – pelo critério dos custos – com a questão antimanicomial, o reconhecimento da união homossexual, enfim, toda uma gama de alterações legislativas recentes. Não se nega que o Sistema de Controle Social é necessário para que a Sociedade possa ter uma estabilidade mediadora da violência constitutiva, a qual pode ser dar mediante ações positivas ou negativas. O Estado precisa se aproveitar de propostas revolucionárias, como o modelo APAC, mas não cair na armadilha das penitenciárias privadas (as que mais lucram no mundo, vide EUA), nem de que segurança se obtém pelo direito penal. A nova lei de medidas cautelares para processados sem condenação, quando editada, iria gerar o caos! Não gerou. Nem gerará. A questão da segurança da população não passa por aumentar penas, nem prisão. Fosse assim a Lei dos Hediondos teria resolvido o problema do país na década de 90. Esse "populismo penal" não procura as causas nos locais corretos e procura enganar vc e eu de que mais violência estatal resolve a violência social. Estudar um pouco de Criminologia ajudaria (Vera Andrade). Mas talvez seja demais. Quem viver verá!

Alexandre Morais da Rosa é Juiz de Direito e Doutor em Direito

Artigo publicado no Diário Catarinense, dia 08.04.2012, p. 13. 

domingo, 8 de abril de 2012

Execução Penal. Lei Complementar n. 529/2011 (Aprova o Regimento Interno dos Estabelecimentos Penais de Santa Catarina). ABERRATIO IURIS.

"Da aplicação das sanções. Art. 76. São circunstâncias que sempre atenuam a sanção: 
[...];
VI - haver agido sob coação a que não podia resistir...".

sábado, 7 de abril de 2012

Direito e Psicanálise: uma leitura indispensável.



Capa do livro: Culpabilidade e Seus Fundamentos Empíricos - Dirk Fabricius - Organizadora: Helen Hartmann - Tradução: Juarez Tavares e Frederico Figueiredo, Felipe Augusto Forte de Negreiros Deodato
Culpabilidade e Seus Fundamentos Empíricos - Dirk Fabricius - Organizadora: Helen Hartmann - Tradução: Juarez Tavares e Frederico Figueiredo
Dirk Fabricius, 40 pgs.
Publicado em: 8/6/2006
Editora: Juruá Editora
ISBN: 853621288-8




O diálogo entre as denominadas ciências criminais e a psicanálise se mostra a cada dia indispensável. Um "sistema normativo interno heterônomo" suplanta o "sistema normativo interno autônomo", fazendo com que as pessoas fiquem menos tolerantes e mais obedientes a ordens violadoras de direitos humanos, acreditando, paradoxalmente, estarem fazendo o "bem". A dor alheia é banalizada e as ações e reações violentas se proliferam. Nas estruturas de poder totalitárias, o "sistema normativo interno autônomo", responsável pela produção do sentimento de culpa - elemento indispensável para o desenvolvimento da alteridade - fica fragilizado. Cria-se, assim, um superego cruel e tirânico. O intolerância fará com que a violência do ato injusto (o crime/desvio, por exemplo) seja reproduzida continuamente (pelo Sistema de Justiça Criminal e pela sociedade em geral), até ocorrer aquilo que Hannah Arendt denominou de "banalidade do mal", após estudar o comportamento de Eichmann em Jerusalém. Esse é um aspecto da construção social do desvio e da criminalidade que precisa ser analisado a partir das descobertas psicanalíticas. A dogmática penal não é capaz de compreender isso...

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Juiz bloqueia dinheiro do Estado do Rio Grande do Norte



O Juiz de Direito da 1ª Vara Cível da Comarca de Caicó/RN, deferiu liminar requerida em Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte e pela Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Norte, contra Estado do Rio Grande do Norte, que pleiteia o fornecimento de alimentação na Penitenciária Estadual do Seridó
Diante da situação absurda e excepcional retratada nos autos, o Magistrado ressaltou que se exige medida eficaz para cumprimento da obrigação de fazer de densa fundamentalidade.
Desta maneira foi determinado o bloqueio de mais de R$ 336 mil da conta única do Estado para custear todas as despesas relacionadas ao fornecimento da alimentação da Penitenciária Estadual do Seridó Francisco Pereira Nóbrega (Pereirão), pelo período de três meses, solicitando também a abertura de conta específica em favor daquele Juízo a ser movimentada pelo Secretário Estadual de Justiça e Cidadania com vistas ao cumprimento da medida, ficando o titular obrigado à prestação de contas.
O Juiz determinou ainda que o Estado adquira alimentação suficiente para os presos que cumprem pena no regime semi-aberto, com a finalidade de se evitar a situação atual; Bem como que seproceda a imediata abertura de licitação para fornecimento com regularidade da alimentação da Penitenciária do Seridó.
Para o cumprimento da medida, foi determinado à Direção da Penitenciária que elaborasse três orçamentos junto aos maiores atacados da região para a compra imediata de mercadorias que garantam a alimentação dos apenados por mais uma semana. A aquisição será paga com transferência do valor necessário do dinheiro bloqueado judicialmente diretamente à conta destinada para alimentação.
Por fim, determinou ao Estado do Rio Grande do Norte que instaure o devido procedimento administrativo para apurar a responsabilidade pela “violação inominável” a qualquer ideia de dignidade humana, da qual um estabelecimento prisional nessas condições se aproxima.
A Responsabilidade do Estado
O artigo 40 da Lei 7210/1984 “Impõe-se a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral dos condenados e dos presos provisórios.” Constituindo dentre outros direitos do preso: a alimentação suficiente.
Conforme bem colocado por Paulo Tadeu Rodrigues Rosa em artigo intitulado “Responsabilidade do Estado e Sistema Penitenciário”, publicado no site do IBCCRIM “O atual sistema penitenciário brasileiro que tem sido objeto de críticas por parte da Anistia Internacional, e outros órgãos internacionais de direitos humanos, está marcado por deficiências que ao invés de contribuírem para a regeneração do infrator, somente vem produzindo pessoas que se revoltam com a situação a qual são submetidas, e na maioria das vezes retornam para o mundo da criminalidade, ainda mais violentas”
O art. 37, § 6 º, da CF, estabelece expressamente que o Estado responde de forma objetiva pelos danos causados aos administrados por atos dos agentes públicos. Em razão deste preceito estabelecido na norma constitucional, basta ao administrado provar o nexo de causalidade existente entre o dano e a lesão suportada, para que possa ser indenizado por danos materiais e até mesmo morais e estéticos.
Segundo a doutrina que cuida da responsabilidade do Estado, os atos podem ser praticados por ação ou omissão. A responsabilidade do Estado, ou como preferem alguns, da Administração Pública, alcança também os atos decorrentes da omissão do Poder Público na preservação dos direitos e garantias fundamentais, sem os quais o status de dignidade, a todos assegurado, perde o seu sentido.
Decisão
O Magistrado salientou em sua decisão que “não obstante todos os problemas do sistema prisional brasileiro, o cidadão que está preso deve ser privado apenas da sua liberdade, mas nunca de sua dignidade, não pode ser privado de sua alimentação, algo tão essencial à vida de qualquer ser humano. Tal privação pode ocasionar apenas uma coisa, que é a morte do cidadão, seja pela fome, ou pelas rebeliões. Dessa forma, tendo em vista a supremacia do direito à vida, perceba-se o quanto é desumano e viola a integridade física e moral dos seres humanos que cumprem suas penas na Penitenciária Estadual do Seridó a privação dos mesmos à alimentação, condição básica da existência de todos os seres vivos.”
Foi concedido o prazo de 3 (três) dias para que a Secretaria da Administração Penitenciária junte aos autos a nota fiscal e declaração atestando o recebimento das mercadorias referentes à alimentação dos presos
Janaina Soares Gallo

STJ. Direito Penal e Processual Penal. Suspensão Condicional do Processo. Imposição de prestação pecuniária como condição. Ilegalidade.


A 6ª Turma do STJ entendeu que fere o princípio da legalidade a imposição de prestação pecuniária como condição para a suspensão condicional do processo. O § 2º do art. 89 da Lei n. 9.099/1995 traz a possibilidade de o juiz estabelecer outras condições, além das elencadas no § 1º, para a concessão do benefício, desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do acusado. Porém, a prestação pecuniária – consistente em pena restritiva de direito, autônoma e substitutiva – depende de expressa previsão legal para sua imposição, o que a lei supramencionada não o fez. Assim, não sendo a prestação pecuniária requisito expresso para a suspensão condicional do processo, não pode o magistrado fazer tal imposição ao beneficiário. Precedente citado: REsp 799.021-PE, DJe 9/11/2009. HC 222.026-BA, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 20/3/2012.