quarta-feira, 16 de junho de 2010

Alternativas para a prisão preventiva e a monitoração eletrônica: avanço ou retrocesso em termos de garantia à liberdade?

Leandro Gornicki Nunes*
Indubitavelmente, a busca de soluções alternativas para a prisão preventiva é algo imperioso, mormente nos dias atuais, aonde o instituto vem sendo utilizado como forma de antecipação da condenação, embora os riscos de se causar danos irreparáveis a inocentes sejam indiscutíveis. Tudo isso, fruto da enfadonha teoria do Direito Penal do inimigo, de Gunther JAKOBS.
Como alternativa à prisão preventiva, alguns juristas vem defendendo a idéia de se utilizar tecnologias capazes de atingir os escopos oficialmente declarados do referido instituto de processo penal, sem a necessidade de encarcerar o acusado. Dentre as alternativas postas a lume, surge o monitoração eletrônica por meio de pulseiras ou braceletes.
O monitoração eletrônica ou vigilância eletrônica tem raiz nos Estados Unidos, e surgiu, em 1979, após sugestão do Juiz Jack Love, que idealizou um bracelete a ser utilizado nos presos, como forma de melhor vigia-los, e pediu a um engenheiro eletrônico que o desenvolvesse. [1] No ano de 1984, o monitoramento eletrônico foi implementado em Albuquerque, New México[2], vindo a ser usado, posteriormente, nos demais estados americanos, inclusive, em todas as fases do processo penal, como alternativa às prisões processuais.[3] Depois dos Estados Unidos, a idéia foi implementada no Reino Unido (1991), na Suécia (1994) e em outros países do continente europeu (Itália, Alemanha, Escócia, Andorra etc.).[4]
No Brasil, a Lei n. 12.258, de 15 de junho de 2010, alterou a Lei n. 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal), para prever a possibilidade de utilização de equipamento de vigilância indireta pelo condenado nos casos em que especifica. Segundo a lei, "a ausência de vigilância direta não impede a utilização de equipamento de monitoração eletrônica pelo condenado, quando assim determinar o juiz da execução" (LEP, art. 122, parágrafo único). As hipóteses de monitoração eletrônica estão previstas no art. 146B, da LEP, e são: 1ª) quando o juiz autorizar a saída temporária no regime semiaberto; 2ª) quando o juiz determinar a prisão domiciliar. É dever do condenado cuidar do equipamento de monitoração eletrônica, sendo que o descumprimento das condições impostas implicará em regressão de regime, revogação da saída temporária ou da prisão domiciliar, ou, finalmente, simples advertência escrita (LEP, art. 146C). A monitoração eletrônica poderá ser revogada: I - quando se tornar desnecessária ou inadequada; II - se o acusado ou condenado violar os deveres a que estiver sujeito durante a sua vigência ou cometer falta grave (LEP, art. 146D). O monitoramento será feito por meio de uma tornozeleira ou pulseira.
Seguindo a tendência neoliberal, os aficionados pela visão economicista do Direito Penal, baseiam-se na redução dos custos para manter um preso dentro da cadeia desnecessariamente, pouco importando a questão de segurança pública, a humanização do sistema carcerário e os abusos que podem advir. O que importa é a redução de custos.
Segundo o professor Carlos Eduardo A. JAPIASSÚ, “a vigilância eletrônica afigura-se como uma alternativa interessante, já que recorre à tecnologia e à experiência comparada, considerando que já se existem experiências positivas em diversos países do mundo, sobretudo na América do Norte e na Europa Ocidental”[6]. E mais: “trata-se, pois, de medida inovadora, que busca atenuar os rigores da pena de prisão, consistindo em medida mais adequada à própria evolução do Direito Penal e um verdadeiro marco em matéria de execução penal”.[7]
Muito embora as palavras do professor Carlos Eduardo A. JAPIASSÚ sejam direcionadas à questão da execução penal, não há como deixar de considerá-las, também, no âmbito das prisões processuais, e fazer o seguinte questionamento: não se estaria, por meio do uso da vigilância eletrônica, contribuindo para a maximização do terror repressivo estatal, ao invés de combatê-lo e impedi-lo de violar os direitos fundamentais do cidadão? Além disso, a falência do sistema prisional justificaria a adoção desse paliativo?
É certo que a maioria das pessoas que estão presas preventivamente preferiria estar sob os efeitos da vigilância eletrônica do que mofando em um cárcere insalubre e lotado, típico do sistema prisional brasileiro. Mas, esse é o melhor caminho?
Com o emprego dessa tecnologia, como diz a professora Maria Lúcia KARAM, “o panóptico já não precisa se instalar em um lugar fechado, no interior dos muros da prisão, no interior da instituição total. O controle já pode estar por toda parte. A sociedade como um todo já pode ser a própria instituição total”.[8]
Por mais paradoxal que possa parecer o discurso daqueles que são contra a utilização do monitoramente eletrônico por meio de braceletes, pulseiras ou tornozeleiras, é notório que tal prática concretiza a sombria perspectiva do controle total do Estado sobre os indivíduos. Dessa forma, não se pode pensar a questão sob os efeitos do desespero de quem está preventivamente privado de sua liberdade, pois, nessa condição, qualquer esmola de liberdade dada ao sujeito é uma dádiva.
A questão é mais profunda e complexa do que os afoitos pragmáticos podem enxergar. Com efeito, lúcidas são as advertências da professora Maria Lúcia KARAM: “Os dominados pela enganosa publicidade, os assustados com os perigos da ‘sociedade de risco’, os ansiosos por segurança a qualquer preço, e, com eles, os aparentemente bem intencionados reformadores do sistema penal, não percebem os contornos da nova disciplina social, não percebem as sombrias perspectivas do controle na era digital, não percebem a nítida tendência expansionista do poder punitivo em nosso ‘pós-moderno’ mundo. Não percebem que a ‘pós-moderna’ diversificação dos mecanismos de controle não evita o sofrimento da prisão. Ao contrário, só expande o poder punitivo em seu caminho paralelo ao crescimento da pena de liberdade. [...] Não percebem que a conveniência com os ilegítimos e crescentes atentados à privacidade, que a previsão em diplomas legais e disseminada utilização de invasivos e insidiosos meios de busca de prova (quebra do sigilo de dados pessoais, interceptação de comunicações, escutas e filmagens ambientais) destinados a fazer do próprio acusado ou investigado instrumento de obtenção da ‘verdade’ sobre seus atos tornados criminosos, que o elogio ao monitoramento eletrônico, que a aceitação da onipresente vigilância e do espraiado controle legitimam e incentivam um desvirtuado uso das tecnologias que, se fazendo acessíveis na era digital, podem se tornar ulteriormente incontroláveis se esse desvirtuado uso não for confrontado e freado por leis efetivamente respeitadoras e eficazmente garantidoras dos direitos fundamentais do indivíduo, pelo compromisso com o pensamento liberal e libertário inspirador das declarações universais de direitos e das Constituições democráticas e por sua inafastável supremacia, pelo decisivo repúdio, atuante questionamento e concreta contenção de qualquer forma de expansão do poder punitivo, pela permanente afirmação, pelo atento cultivo e pala constante solidificação do desejo da liberdade”.[9]
Por melhor que possa ser a intenção daqueles que defendem o uso da tecnologia para atenuar os nefastos efeitos do cárcere na vida do cidadão, não é possível tolerar os abusos que, certamente, advêm do emprego desses meios tecnológicos, mormente em tempos de pânico social, quando, então, a debilitação do direito à privacidade é mais freqüente e tolerada pela sociedade.
Somando-se a desmedida expansão do poder punitivo estatal – fruto do medo – com a troca do desejo de liberdade pela ilusão da segurança, em breve, o que teremos é um Estado totalitário – se é que já não o temos – sem limites éticos em termos penais. E o pior: parafraseando a banda irlandesa U2, tudo será feito “in the name of love”. Isso é muito parecido com a proteção do “são sentimento do povo alemão”, que fundamentou um regime totalitário que culminou no Holocausto, cujas barbaridades são conhecidas por todos e, sempre que necessário, devem ser relembradas para não ficarmos em um “museu de grandes novidades”.
Se não quisermos ter o desprazer de ver nossos filhos recebendo um “código de barras” ao nascer, é bom (re)pensarmos sobre essas questões, pois, ao que tudo indica, o remédio será pior que a doença.
Notas:
[1] JAPIASSÚ, Carlos Eduardo A. A crise do sistema penitenciário: a experiência da vigilância eletrônica. Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. São Paulo, a. 14, n. 170, p. 2-3, jan. 2007.
[2] RONDINELLI, Vincenzo. “Tracking Humans: The Electronic Bracelet in a Modern World”, 1997, Criminal Lawyers Association Newletter, disponível em http://www.criminallawyers.ca/newslett/aug97/rondinelli.htm
[3] JAPIASSÚ, Carlos Eduardo A. Idem.
[4] JAPIASSÚ, Carlos Eduardo A. Idem.
[5] O projeto estipula a inserção do parágrafo primeiro do artigo 312 do Código Penal que passaria a vigorar com a seguinte redação: “§1º. Quando a prisão preventiva for decretada para assegurar a aplicação da lei penal, e havendo comprovação nos autos de efetivo risco de fuga do acusado, o juiz poderá, fundamentadamente, substituir a medida cautelar de prisão pela liberdade vigiada por monitoramento eletrônico”.
[6] JAPIASSÚ, Carlos Eduardo A. Idem.
[7] JAPIASSÚ, Carlos Eduardo A. Idem.
[8] KARAM, Maria Lúcia. Monitoramento eletrônico: a sociedade do controle. Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. São Paulo, a. 14, n. 170, p. 4-5, jan. 2007.
[9] KARAM, Maria Lúcia. Idem.

Um comentário:

  1. A fala de Maria Lúcia Karam me fez refletir, “o panóptico já não precisa se instalar em um lugar fechado, no interior dos muros da prisão, no interior da instituição total. O controle já pode estar por toda parte. A sociedade como um todo já pode ser a própria instituição total”.
    pergunta-se: avanço ou retrocesso? eu diria estagnação, pois mesmo fora dos limites do cárcere, ao meu ver, não apresenta garantia nenhuma à liberdade do indivíduo.

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