terça-feira, 30 de novembro de 2010

A Guerra no Rio de Janeiro

Em tempos de "tomada de territórios" e "luta contra o mal" na cidade do Rio de Janeiro, deixo duas frases de Bertold Brecht:

"O que tem fome e te rouba o último pedaço de pão, chama-o teu inimigo. Mas não saltas ao pescoço do teu ladrão que nunca tem fome".

"Do rio que tudo arrasta, diz-se que é violento. Mas, ninguém chama violentas às margem que o comprimem".

Cuidemos para o nosso olhar não se infectar com o vírus midiático e, assim, sermos acometidos pela cegueira!...

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

STF: 2ª Turma anula processo em que réu preso não foi levado ao depoimento de testemunha de acusação

A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal reconheceu a ocorrência de nulidade processual absoluta no processo criminal que resultou na condenação do serigrafista Ednaldo Faria Ferreira a 20 anos e seis meses de prisão por latrocínio (roubo seguido de morte), ocorrido em Duque de Caxias (RJ). Em consequência da decisão, o processo foi anulado a partir do depoimento da única testemunha de acusação. No Habeas Corpus (HC 95106), a defesa do serigrafista sustentou que o fato dele não ter sido intimado do depoimento da testemunha teria cerceado seu direito à ampla defesa e ao contraditório.
Na sessão desta tarde, o julgamento do HC foi retomado pelo ministro Gilmar Mendes, que, após as considerações do ministro Celso de Mello, reconheceu, no caso concreto, a ocorrência da nulidade alegada. Mendes afirmou que a questão relativa à necessidade de presença do réu nas audiências ainda é controversa no STF, sendo a jurisprudência majoritária da Corte no sentido da sua desnecessidade.
O decano do STF, ministro Celso de Mello, fez uma defesa veemente da necessidade de se assegurar ao réu preso o direito de comparecimento na audiência de inquirição de testemunhas. “O Estado tem o dever de assegurar ao réu preso o exercício pleno do direito de defesa. O acusado, embora preso, tem o direito de comparecer, o direito de assistir e o direito de presenciar, sob pena de nulidade absoluta, os atos processuais, notadamente aqueles que se produzem na fase de instrução do processo penal, que se realiza sempre sob a égide do contraditório”, afirmou.
Para o ministro, "as costumeiras alegações" do Poder Público quanto às dificuldades ou às inconveniências de se remover os acusados presos a outros pontos do Estado ou do País não devem ser aceitas. “Razões de mera conveniência administrativa não têm nem podem ter precedência sobre as inafastáveis exigências de cumprimento e respeito ao que determina a Constituição: o direito de audiência, de um lado, e o direito de presença do réu, de outro, esteja ele preso ou não, traduzem prerrogativas jurídicas essenciais que derivam da garantia constitucional do devido processo legal”, afirmou Celso de Mello, admitindo que esse direito pode ser assegurado por meio de videoconferência.
O ministro Celso de Mello salientou que o direito de o réu comparecer à audiência consta não só da Convenção Americana de Direitos Humanos, como também do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos. “Essa prerrogativa processual reveste-se de caráter fundamental, pois compõe o próprio estatuto constitucional do direito de defesa, enquanto complexo de princípios e de normas que amparam qualquer acusado, mesmo que se trate de réu processado por suposta prática de crimes hediondos”, afirmou.

Processo relacionado: HC 95106

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Giro linguístico: o dia em que o feitiço se virou contra o feiticeiro...

O delegado Protógenes Queiroz foi condenado pela Justiça Federal a três anos e quatro meses de prisão pelos crimes de violação de sigilo funcional e fraude processual. A pena foi substituída por restrições de direitos — Protógenes terá que prestar serviços à comunidade em um hospital público ou privado, "preferencialmente de atendimento a queimados", e fica proibido de exercer mandato eletivo, cargo, função ou atividade pública. Ele pode recorrer. A notícia é do jornal O Estado de S. Paulo.
Idealizador da Operação Satiagraha, polêmica investigação sobre suposto esquema de evasão de divisas e lavagem de dinheiro envolvendo Daniel Dantas, do Grupo Opportunity, Protógenes elegeu-se deputado federal pelo PCdoB com 94.906 votos — insuficientes para chegar à Câmara, mas pelo quociente eleitoral ele pegou carona na votação do palhaço Tiririca (PR-SP). Em sua campanha eleitoral, Protógenes usou como trunfo a prisão do banqueiro e ações contra políticos. Entre eles, o ex-prefeito Paulo Maluf (PP), preso em 2005.
A sentença, de 46 páginas, foi aplicada pelo juiz Ali Mazloum, da 7ª Vara Criminal Federal em São Paulo, que acolheu denúncia da Procuradoria da República. Também foi condenado o escrivão da PF Amadeu Ranieri Bellomusto, braço direito de Protógenes. A base da condenação é um inquérito da PF.
Conduzido pelo delegado Amaro Vieira Ferreira, o inquérito revela que Protógenes divulgou conteúdo da investigação coberta pelo sigilo. Ele teria forjado prova usada em Ação Penal da 6ª Vara Federal contra Dantas, que acabou condenado a dez anos de prisão por corrupção ativa. O juiz destaca que Protógenes efetuou "práticas de monitoramento clandestino, mais apropriadas a um regime de exceção, que revelaram situações de ilegalidade patente".
"O caso é emblemático", assinala o juiz. "Não representa apenas uma investigação de crimes comuns previstos no Código Penal, representa precipuamente a apuração de um método, próprio de polícia secreta, empreendido sob a égide da Constituição, mas à margem das mais comezinhas regras do Estado democrático de Direito."
Protógenes pode recorrer da sentença, em apelação ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Ele não respondeu a contato da reportagem do Estadão. Seu advogado, Adib Abdouni, foi categórico. "Acredito na inocência de Protógenes. Vamos recorrer para que ele seja absolvido. A Satiagraha foi um trabalho de repercussão nacional porque a investigação foi muito bem feita."
Desde que se tornou alvo da Polícia Federal, o delegado tem negado irregularidades. Ele afirma que sua conduta é ilibada. "Não me corrompi, agi sempre no estrito cumprimento do dever", repete a interlocutores.
O delegado considera "absolutamente legal" a utilização de agentes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) na Operação Satiagraha. Ele destaca que é comum as instituições agirem em parceria. Cita o Banco Central e a Receita. "Não cometi nenhum ato ilícito", diz sempre que questionado sobre o caso.

Sintoma: a legalidade ainda segura...

A posse de chip de celular por presidiário não se enquadra nas infrações disciplinares graves previstas no artigo 50 da Lei de Execução Penal (LEP). Com esse entendimento, o ministro do Supremo Tribunal Federal Ayres Britto concedeu liminar em Habeas Corpus em favor de um detento de Cruz Alta (RS).
"Tenho por acertado o entendimento defensivo de que a conduta assumida pelo paciente não se amolda a nenhuma das hipóteses do artigo 50 da Lei de Execução Penal", frisou o ministro. Ele afirmou que, mesmo o chip sendo imprescindível para o funcionamento de um aparelho celular, ele sozinho não permite a comunicação com alguém fora da penitenciária ou mesmo com outros detentos.
Ayres Britto considerou que "a classificação de determinada conduta como infração disciplinar de natureza grave pressupõe uma acurada avaliação da falta eventualmente cometida pelo condenado." Nesse exame, explica o ministro, deve-se incorporar um juízo de graduação da indisciplina, mesmo grave, para, se for o caso, "proporcionalizar as consequências dela advindas".

O caso

Patrik de Souza foi condenado a pena de 18 anos de reclusão por homicídio qualificado e cumpria pena em regime semiaberto. Em novembro de 2008, foram encontrados com ele dois chips de telefone celular e foi instaurado procedimento administrativo disciplinar para apuração de eventual falta grave. O Juízo de Execuções homologou o procedimento, determinando a regressão ao regime fechado e a perda dos dias remidos.
A Defensoria Pública da União entrou com HC no Supremo depois que o Superior Tribunal de Justiça decidiu — ao analisar Recurso Especial do Ministério Público contra o paciente — que a posse do chip, "sendo acessório essencial para o funcionamento do aparelho telefônico, tanto quanto o próprio celular em si, caracteriza falta grave". O STJ considerou a Lei 11.466/2007, que alterou a LEP para incluir a posse, utilização ou fornecimento "de aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo", como falta disciplinar grave.
A Defensoria alegou, no entanto, que é impossível considerar a conduta do preso como falta disciplinar grave, porque a mera posse de chip não se subsume a nenhuma das hipóteses previstas na LEP. O órgão afirmou ainda que não se pode ampliar o rol de faltas disciplinares de natureza grave sob pena de ofensa ao princípio da legalidade, pois o reconhecimento da infração depende de previsão legal anterior.

Com informações da Assessoria de Imprensa do STF (HC 105.973)