DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. CONTROLE
JURISDICIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS RELACIONADO A INÚMERAS IRREGULARIDADES
ESTRUTURAIS E SANITÁRIAS EM CADEIA PÚBLICA.
Constatando-se inúmeras irregularidades em cadeia pública –
superlotação, celas sem condições mínimas de salubridade para a permanência de
presos, notadamente em razão de defeitos estruturais, de ausência de ventilação,
de iluminação e de instalações sanitárias adequadas, desrespeito à integridade
física e moral dos detentos, havendo, inclusive, relato de que as visitas
íntimas seriam realizadas dentro das próprias celas e em grupos, e que
existiriam detentas acomodadas improvisadamente –, a alegação de ausência de
previsão orçamentária não impede que seja julgada procedente ação civil
publica que, entre outras medidas, objetive obrigar o Estado a adotar
providências administrativas e respectiva previsão orçamentária para reformar a
referida cadeia pública ou construir nova unidade, mormente quando não houver
comprovação objetiva da incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal. De
fato, evidencia-se, na hipótese em análise, clara situação de violação à
garantia constitucional de respeito da integridade física e moral do preso (art.
5º, XLIX, da CF) e aos princípios da dignidade da pessoa humana e do mínimo
existencial. Nessas circunstâncias – em que o exercício da discricionariedade
administrativa pelo não desenvolvimento de determinadas políticas públicas
acarreta grave vulneração a direitos e garantias fundamentais assegurados pela
Constituição –, a intervenção do Poder Judiciário se justifica como forma de
implementar, concreta e eficientemente, os valores que o constituinte elegeu
como “supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos fundada
na harmonia social”, como apregoa o preâmbulo da CF. Há, inclusive, precedentes
do STF (RE-AgR 795.749, Segunda Turma, DJe 20/5/2014; e ARE-AgR 639.337, Segunda
Turma, DJe 15/9/2011) e do STJ (AgRg no REsp 1.107.511-RS, Segunda Turma, DJe
6/12/2013) endossando a possibilidade de excepcional controle judicial de
políticas públicas. Além disso, não há, na intervenção em análise, ofensa ao
princípio da separação dos poderes. Isso porque a concretização dos direitos
sociais não pode ficar condicionada à boa vontade do Administrador, sendo de
suma importância que o Judiciário atue como órgão controlador da atividade
administrativa. Seria distorção pensar que o princípio da separação dos poderes,
originalmente concebido com o escopo de garantia dos direitos fundamentais,
pudesse ser utilizado como óbice à realização dos direitos sociais, igualmente
importantes. Tratando-se de direito essencial, incluso no conceito de mínimo
existencial, inexistirá empecilho jurídico para que o Judiciário estabeleça a
inclusão de determinada política pública nos planos orçamentários do ente
político, mormente quando não houver comprovação objetiva da incapacidade
econômico-financeira da pessoa estatal. Ademais, também não há como falar em
ofensa aos arts. 4º, 6º e 60 da Lei 4.320/1964 (que preveem a necessidade de
previsão orçamentária para a realização das obras em apreço), na medida em que a
ação civil pública analisada objetiva obrigar o Estado a realizar previsão
orçamentária das obras solicitadas, não desconsiderando, portanto, a necessidade
de previsão orçamentária das obras. Além do mais, tem-se visto, recorrentemente,
a invocação da teoria da reserva do possível, importada do Direito alemão, como
escudo para o Estado se escusar do cumprimento de suas obrigações prioritárias.
Não se pode deixar de reconhecer que as limitações orçamentárias são um entrave
para a efetivação dos direitos sociais. No entanto, é preciso ter em mente que o
princípio da reserva do possível não pode ser utilizado de forma indiscriminada.
Na verdade, o direito alemão construiu essa teoria no sentido de que o indivíduo
só pode requerer do Estado uma prestação que se dê nos limites do razoável, ou
seja, na qual o peticionante atenda aos requisitos objetivos para sua fruição.
Informa a doutrina especializada que, de acordo com a jurisprudência da Corte
Constitucional alemã, os direitos sociais prestacionais estão sujeitos à reserva
do possível no sentido daquilo que o indivíduo, de maneira racional, pode
esperar da sociedade. Ocorre que não se podem importar preceitos do direito
comparado sem atentar para Estado brasileiro. Na Alemanha, os cidadãos já
dispõem de um mínimo de prestações materiais capazes de assegurar existência
digna. Por esse motivo, o indivíduo não pode exigir do Estado prestações
supérfluas, pois isso escaparia do limite do razoável, não sendo exigível que a
sociedade arque com esse ônus. Eis a correta compreensão do princípio da reserva
do possível, tal como foi formulado pela jurisprudência germânica. Todavia,
situação completamente diversa é a que se observa nos países periféricos, como é
o caso do Brasil, país no qual ainda não foram asseguradas, para a maioria dos
cidadãos, condições mínimas para uma vida digna. Nesse caso, qualquer pleito que
vise a fomentar uma existência minimamente decente não pode ser encarado como
sem razão, pois garantir a dignidade humana é um dos objetivos principais do
Estado brasileiro. É por isso que o princípio da reserva do possível não pode
ser oposto a um outro princípio, conhecido como princípio do mínimo existencial.
Desse modo, somente depois de atingido esse mínimo existencial é que se poderá
discutir, relativamente aos recursos remanescentes, em quais outros projetos se
deve investir. Ou seja, não se nega que haja ausência de recursos suficientes
para atender a todas as atribuições que a Constituição e a Lei impuseram ao
estado. Todavia, se não se pode cumprir tudo, deve-se, ao menos, garantir aos
cidadãos um mínimo de direitos que são essenciais a uma vida digna, entre os
quais, sem a menor dúvida, podemos incluir um padrão mínimo de dignidade às
pessoas encarceradas em estabelecimentos prisionais. Por esse motivo, não
havendo comprovação objetiva da incapacidade econômico-financeira da pessoa
estatal, inexistirá empecilho jurídico para que o Judiciário determine a
inclusão de determinada política pública nos planos orçamentários do ente
político. REsp 1.389.952-MT, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em
3/6/2014.
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