sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Hamilton Carvalhido alerta sobre mudanças no projeto do novo CPP

O ministro Hamilton Carvalhido, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), manifestou preocupação com as modificações no projeto do novo Código de Processo Penal (CPP), em discussão no Congresso Nacional. O ministro foi o presidente da comissão de juristas em que se discutiu o novo texto.
Em palestra no VII Seminário Ítalo-Ibero-Brasileiro, que se realiza no STJ até este sábado (25), o ministro Carvalhido disse que todos os integrantes da comissão sabiam que não elaboravam um projeto acabado. Ele ressaltou que, diferentemente dos trabalhos da comissão que elaborou o novo Código de Processo Civil (CPC), o grupo presidido por ele construiu um anteprojeto que, depois de apresentado, é que seria debatido pelos parlamentares e representantes da sociedade em audiências públicas.
Segundo Carvalhido, sempre houve pressões e lobby para influenciar o projeto. “Hoje há um substitutivo no qual foram introduzidas modificações que nós rejeitaríamos plenamente. Mas isso faz parte do jogo democrático”, afirmou. Apesar da observação, o ministro disse que a essência do projeto está mantida.
O texto elaborado pela comissão de juristas coloca cada operador do direito no devido lugar. Estabelece, por exemplo, que juízes não podem participar de investigações, nem formular acusação no lugar do promotor. “É preciso que quem julga não esteja contaminado por pré-julgamento”, explicou Carvalhido.
Antes de tratar das linhas gerais traçadas no anteprojeto, o ministro Carvalhido falou sobre a evolução do direito penal no Brasil. Lembrou que sua formação foi dogmática, forjada numa concepção em que o direito começava e terminava na lei. “A discussão sociológica, ética ou de qualquer outro valor não fazia parte dessa ciência”, disse o ministro, referindo-se a uma época em que os juízes estavam presos ao ordenamento jurídico e os operadores do direito eram descompromissados com a realidade.
Segundo Carvalhido, a evolução foi lenta. O discurso ideológico da prisão era muito intenso e não havia preocupação com o cabimento de prisão antes da condenação. O ordenamento jurídico e a jurisprudência demoraram muito para permitir a apelação em liberdade, afastar a obrigatoriedade da prisão por pronúncia, e decidir que só a prisão realmente necessária deveria ser mantida. “São lembranças muito pesadas para quem tem afeição pela liberdade e pela dignidade humana.”
Quem viveu esse período teme que o clamor social contra a impunidade e por mais segurança verificado atualmente, associada à necessidade da classe política de dar uma resposta a esse anseio, resultem num retrocesso.

Um comentário:

  1. Ainda que se considere um tanto desastrada a atuação desta Comissão de Juristas, da qual fez parte o Min. Hamilton Carvalhido, para elaborar uma legislação capaz enterrar o CPP fascista de 1941, não se pode negar que esta tentativa provocou os sujeitos que participam do dia-a-dia do processo penal brasileiro a pensar na necessidade de se conceber novas formas para suas práticas que atualmente servem essencialmente ao encarceramento e à eliminação dos excluídos pelas políticas neoliberais. Sem dúvida, esta reflexão é apenas o primeiro passo para a prometida constitucionalização do processo penal, para a sonhada efetivação dos direitos e das garantias do acusado. Sabe-se que o percurso para alcançar este nobre objetivo é longo e penoso, pois a cultura inquisitória que permeia a sociedade brasileira impede que se conceba um processo penal democrático, no qual se presume a inocência, ao invés da culpa, e os acusados são sujeitos de direitos e não meros objetos de investigação. Ademais, as estratégias neoliberais funcionam como obstáculos quase instransponíveis à estruturação de um processo penal que não sirva apenas para encarceramento e eliminação dos excluídos e para a prevenção dos delitos por meio de prisões provisórias. Em suma, tem-se consciência de que as dificuldades deste caminho exigem um trabalho hercúleo de superação, mas por outro lado se reconhece que nada acontecerá se não for dado o primeiro passo, ainda que na maioria das vezes ele decorra de um empurrão desajeitado. Por fim, é preciso ressaltar que as discussões fomentadas com a propositura deste Projeto de reforma do CPP têm desmascarado muitos, que nesses debates mostram sua faceta mais conservadora, aquela guardada cuidadosamente atrás de discursos com belas vestes democráticas. Aliás, é nessas horas em que os eminentes doutores (sejam professores, juízes, promotores, advogados etc...) se desnudam e demonstram que em seu exercício profissional não têm qualquer comprometimento ético, isto é, que em suas aulas, na momento de suas decisões, suas acusações ou petições não olham para lado, não se preocupam com o outro que sofre as consequências de um processo penal fascista. Enfim, por tudo isso, é preciso reconhecer que este esforço de elaboração de um novo CPP não é em vão, ainda que o texto legislativo aprovado torne-se algo visivelmente distante daquele projeto pretensamente democrático elaborado pelos juristas da citada comissão. Aliás, as mudanças nunca são imediatas, é preciso inclusive desconfiar daquelas que se mostram milagrosamente rápidas, pois de regra são responsáveis pela instauração de regimes ditatoriais e impõem legislações de emergência para eliminar os inimigos. Noutras palavras, o processo democrático é lento e passa principalmente pelo aprendizado de novas práticas por seus atores, o que inclui erros e acertos (já dizia Foucault).

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