“Quem tem agora 50, 60 anos, é via de regra um homem totalmente desencantado, que não crê mais em nada. Os ideais em que esperou nos anos de sua juventude faliram e o resultado é a falência de todas as esperanças. E é esta geração, muitas vezes que está ensinando nas cátedras das escolas. Já não consegue transmitir nenhuma esperança aos jovens porque carrega consigo apenas a desilusão da falência dos próprios ideais.” Assim respondia Massimo Borghesi, professor titular de Filosofia da Universidade Urbaniana de Roma, à pergunta sobre quais motivos levavam a juventude europeia atual ao individualismo e aburguesamento sem precedentes. Destacava como causa a ausência de ideais transmitidos aos jovens, devido ao comportamento de professores universitários, que tinham sido os aguerridos combatentes dos descalabros sociais dos anos 1960, mas agora, descrentes da praxis marxista, aderiram à ideia do “burguês em estado puro” no conceito de Augusto Del Noce.
Os herdeiros da massa falida da práxis marxista amargam as consequências mais negativas: a decepção e a frustração. Imaginava-se que a solução dos problemas sociais proviria da luta de classes, não obstante, a própria praxis, a atuação histórica, demonstrou a falsidade dessa ideologia, evidenciada pela ruína do comunismo e o desabamento da União Soviética.
A crença nesse sistema, como única solução, levou a que muitos dos seus devotos concluíssem que “se não há mais nada que valha a pena dedicar a vida, a única coisa que resta é enriquecer e progredir sem escrúpulos. Isso significa, no final de contas, que somente permanece a ideia do ‘burguês em estado puro’, aquele que não tem mais nenhum ideal com exceção do de enriquecer sem nenhum freio ético e moral”.
Explica-se esse estado de decepção, para os que acreditam que todo e qualquer ideal é ideologia e portanto o disfarce dos interesses de classe. Para a geração desse credo, hoje na casa dos 50 ou 60 anos, a solução seria a da transformação social radical pela luta de classes. Com a comprovação do erro marxista, em vez de se proporem a um novo modo de pensar, e uma reforma comportamental, acabaram pensando que não há mais nada em que acreditar. Propagou-se “uma espécie de cinismo em massa”, definido por Augusto Del Noce como a do “burguês em estado puro”. Caracterizado pela falta de valores vivenciais e apenas a busca da satisfação das necessidades mais imediatas. “Divirta-se, goze a vida e enriqueça.”
O meio universitário brasileiro também sofre dessa mesma enfermidade. No entanto, o que fazer para reverter esse estado de apatia moral? Pode-se propor como pauta, na missão da universidade, como queria Jorge Lacerda, que o estudante aprenda, “acima de todos os misteres, o mister de Homem”. Nisso se insere a responsabilidade educativa, porquanto todo professor pode ser, além de transmissor ou mediador do conhecimento, um construtor e inspirador de valores morais. Massimo salienta que “a maneira como se transmite a matéria não é nunca algo neutro, é sempre uma maneira de você se encontrar com jovens que desejam aprender, conhecer. Você não se limita a ensinar-lhes uma disciplina, você lhes ensina um modo de enfrentar essa disciplina, um modo de relacionar-se com a vida através dessa disciplina”.
A educação não se pode reduzir à mera atividade informativa, pois é preciso conectar cada disciplina com a vida, com a realidade em que será aplicada, relacionada e compreendida. Essa interação, que abarca a postura do universitário diante da realidade, possibilita a sua inserção numa dimensão que tem consequências morais, éticas e religiosas.
Tornou-se uma banalidade repetir a frase: “A nossa sociedade está em crise de valores”, isso porque os valores somente adquirem realidade à medida que são incorporados na vida do professor, do médico, do político, do jornalista, do advogado etc. A crise está, sobretudo, na prática dos valores éticos no dia a dia dos profissionais, e mais especialmente, de acordo com Massimo, na figura do médico, do professor e do sacerdote, porquanto eram “as principais figuras sociais que encarnavam os ideais”.
A responsabilidade educativa exige dos educadores o combate ao cinismo do “burguês em estado puro”, por meio da vivência das virtudes em cada trabalho, em três dimensões: na objetiva, que se caracteriza pelo trabalho bem feito; na subjetiva, pelo desenvolvimento das virtudes pessoais ao fazer o bem e a obra bem feita e, por fim, na dimensão social, pela contribuição eficaz ao bem comum.
* Paulo Sertek, doutor em Educação pela UFPR, é professor da FAE Centro Universitário e autor dos livros: Responsabilidade Social e Competência Interpessoal, Empreendedorismo e Administração e Planejamento Estratégico. paulo-sertek@uol.com.br.
FONTE: Jornal Gazeta do Povo, Curitiba, 6 de agosto de 2010, coluna Opinião.
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